Bem- Vindo!

Como diria Fernado Anitelli:
Sintaxe a vontade!

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

RIFA-SE UM CORAÇÃO



Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste
em pregar peças no seu usuário.

Rifa-se um coração que na realidade está um
pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos e, cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente que nunca desiste
de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado coração que acha que
Tim Maia estava certo quando escreveu...
"...não quero dinheiro, eu quero amor sincero,
é isso que eu espero...".
Um idealista...
Um verdadeiro sonhador...

Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece, e mantém sempre viva
a esperança de ser feliz, sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando
relações e emoções verdadeiras.

Rifa-se um coração que insiste
em cometer sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo
em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado.
Tantas vezes impulsivo.

Rifa-se este desequilibrado emocional que abre
sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas,
mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado
por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado indicado apenas para
quem quer viver intensamente
contra indicado para os que apenas pretendem
passar pela vida matando o tempo,
defendendo-se das emoções.

Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras
e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando parar de bater
ouvirá o seu usuário dizer
para São Pedro na hora da prestação de contas:
"O Senhor pode conferir.
Eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer e,
se recusa a envelhecer"

Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por
outro que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate
tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconseqüente.

Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda
não foi adotado, provavelmente, por se recusar
a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio,
sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento
até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar,
mas vez por outra,
constrange o corpo que o domina.

Um velho coração que convence
seu usuário a publicar seus segredos
e a ter a petulância de se aventurar como poeta.





Texto de Clarice Lispector,
arranjado em forma de poema pelo padre Antônio Damásio.

ALMA DE POETA...

Hoje acordei como se nunca tivesse feito outra coisa na vida, a não ser poesia... não postarei as minhas, não sou tão ousada ao ponto. Selecionei algumas que de tão lindas e profundas, doem na alma... ou tocam a alma, seja lá como você queira!
O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.


O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.


Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.


O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.


Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

(texto de Clarice Lispector arranjado  em forma de poema  pelo padre Antônio Damásio)

MEU DEUS - CLARICE LISPECTOR





Meu Deus, me dê a coragem de viver
trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de tua presença.

Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.

Faça com que eu seja a tua amante humilde
entrelaçada a ti em êxtase.

Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.

Faça com que eu tenha a coragem de te amar;
Sem odiar as tuas ofensas
à minha alma e ao meu corpo.

Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada e

mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.

Receba em teus braços
Meu pecado de pensar.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

THE EMPERO'S NEW CLOTHES

"The Emperor's New Clothes"
by Hans Christian Andersen

Many years ago, there was an Emperor, who was so excessively fond of new clothes, that he spent all his money in dress. He did not trouble himself in the least about his soldiers; nor did he care to go either to the theatre or the chase, except for the opportunities then afforded him for displaying his new clothes. He had a different suit for each hour of the day; and as of any other king or emperor, one is accustomed to say, "he is sitting in council," it was always said of him, "The Emperor is sitting in his wardrobe."
  Time passed merrily in the large town which was his capital; strangers arrived every day at the court. One day, two rogues, calling themselves weavers, made their appearance. They gave out that they knew how to weave stuffs of the most beautiful colors and elaborate patterns, the clothes manufactured from which should have the wonderful property of remaining invisible to everyone who was unfit for the office he held, or who was extraordinarily simple in character.
     "These must, indeed, be splendid clothes!" thought the Emperor. "Had I such a suit, I might at once find out what men in my realms are unfit for their office, and also be able to distinguish the wise from the foolish! This stuff must be woven for me immediately." And he caused large sums of money to be given to both the weavers in order that they might begin their work directly.

     So the two pretended weavers set up two looms, and affected to work very busily, though in reality they did nothing at all. They asked for the most delicate silk and the purest gold thread; put both into their own knapsacks; and then continued their pretended work at the empty looms until late at night.
  "I should like to know how the weavers are getting on with my cloth," said the Emperor to himself, after some little time had elapsed; he was, however, rather embarrassed, when he remembered that a simpleton, or one unfit for his office, would be unable to see the manufacture. To be sure, he thought he had nothing to risk in his own person; but yet, he would prefer sending somebody else, to bring him intelligence about the weavers, and their work, before he troubled himself in the affair. All the people throughout the city had heard of the wonderful property the cloth was to possess; and all were anxious to learn how wise, or how ignorant, their neighbors might prove to be.

 "I will send my faithful old minister to the weavers," said the Emperor at last, after some deliberation, "he will be best able to see how the cloth looks; for he is a man of sense, and no one can be more suitable for his office than he is."
     So the faithful old minister went into the hall, where the knaves were working with all their might, at their empty looms. "What can be the meaning of this?" thought the old man, opening his eyes very wide. "I cannot discover the least bit of thread on the looms." However, he did not express his thoughts aloud.
   The impostors requested him very courteously to be so good as to come nearer their looms; and then asked him whether the design pleased him, and whether the colors were not very beautiful; at the same time pointing to the empty frames. The poor old minister looked and looked, he could not discover anything on the looms, for a very good reason, viz: there was nothing there. "What!" thought he again. "Is it possible that I am a simpleton? I have never thought so myself; and no one must know it now if I am so. Can it be, that I am unfit for my office? No, that must not be said either. I will never confess that I could not see the stuff."

"Well, Sir Minister!" said one of the knaves, still pretending to work. "You do not say whether the stuff pleases you."
     "Oh, it is excellent!" replied the old minister, looking at the loom through his spectacles. "This pattern, and the colors, yes, I will tell the Emperor without delay, how very beautiful I think them."
     "We shall be much obliged to you," said the impostors, and then they named the different colors and described the pattern of the pretended stuff. The old minister listened attentively to their words, in order that he might repeat them to the Emperor; and then the knaves asked for more silk and gold, saying that it was necessary to complete what they had begun. However, they put all that was given them into their knapsacks; and continued to work with as much apparent diligence as before at their empty looms.

 The Emperor now sent another officer of his court to see how the men were getting on, and to ascertain whether the cloth would soon be ready. It was just the same with this gentleman as with the minister; he surveyed the looms on all sides, but could see nothing at all but the empty frames.
     "Does not the stuff appear as beautiful to you, as it did to my lord the minister?" asked the impostors of the Emperor's second ambassador; at the same time making the same gestures as before, and talking of the design and colors which were not there.
  "I certainly am not stupid!" thought the messenger. "It must be, that I am not fit for my good, profitable office! That is very odd; however, no one shall know anything about it." And accordingly he praised the stuff he could not see, and declared that he was delighted with both colors and patterns. "Indeed, please your Imperial Majesty," said he to his sovereign when he returned, "the cloth which the weavers are preparing is extraordinarily magnificent."
     The whole city was talking of the splendid cloth which the Emperor had ordered to be woven at his own expense.

  And now the Emperor himself wished to see the costly manufacture, while it was still in the loom. Accompanied by a select number of officers of the court, among whom were the two honest men who had already admired the cloth, he went to the crafty impostors, who, as soon as they were aware of the Emperor's approach, went on working more diligently than ever; although they still did not pass a single thread through the looms.
     "Is not the work absolutely magnificent?" said the two officers of the crown, already mentioned. "If your Majesty will only be pleased to look at it! What a splendid design! What glorious colors!" and at the same time they pointed to the empty frames; for they imagined that everyone else could see this exquisite piece of workmanship.
 "How is this?" said the Emperor to himself. "I can see nothing! This is indeed a terrible affair! Am I a simpleton, or am I unfit to be an Emperor? That would be the worst thing that could happen--Oh! the cloth is charming," said he, aloud. "It has my complete approbation." And he smiled most graciously, and looked closely at the empty looms; for on no account would he say that he could not see what two of the officers of his court had praised so much. All his retinue now strained their eyes, hoping to discover something on the looms, but they could see no more than the others; nevertheless, they all exclaimed, "Oh, how beautiful!" and advised his majesty to have some new clothes made from this splendid material, for the approaching procession. "Magnificent! Charming! Excellent!" resounded on all sides; and everyone was uncommonly gay. The Emperor shared in the general satisfaction; and presented the impostors with the riband of an order of knighthood, to be worn in their button-holes, and the title of "Gentlemen Weavers."

 The rogues sat up the whole of the night before the day on which the procession was to take place, and had sixteen lights burning, so that everyone might see how anxious they were to finish the Emperor's new suit. They pretended to roll the cloth off the looms; cut the air with their scissors; and sewed with needles without any thread in them. "See!" cried they, at last. "The Emperor's new clothes are ready!"
     And now the Emperor, with all the grandees of his court, came to the weavers; and the rogues raised their arms, as if in the act of holding something up, saying, "Here are your Majesty's trousers! Here is the scarf! Here is the mantle! The whole suit is as light as a cobweb; one might fancy one has nothing at all on, when dressed in it; that, however, is the great virtue of this delicate cloth."
    "Yes indeed!" said all the courtiers, although not one of them could see anything of this exquisite manufacture.
     "If your Imperial Majesty will be graciously pleased to take off your clothes, we will fit on the new suit, in front of the looking glass."
     The Emperor was accordingly undressed, and the rogues pretended to array him in his new suit; the Emperor turning round, from side to side, before the looking glass.
     "How splendid his Majesty looks in his new clothes, and how well they fit!" everyone cried out. "What a design! What colors! These are indeed royal robes!"
    "The canopy which is to be borne over your Majesty, in the procession, is waiting," announced the chief master of the ceremonies.
     "I am quite ready," answered the Emperor. "Do my new clothes fit well?" asked he, turning himself round again before the looking glass, in order that he might appear to be examining his handsome suit.
     The lords of the bedchamber, who were to carry his Majesty's train felt about on the ground, as if they were lifting up the ends of the mantle; and pretended to be carrying something; for they would by no means betray anything like simplicity, or unfitness for their office.

  So now the Emperor walked under his high canopy in the midst of the procession, through the streets of his capital; and all the people standing by, and those at the windows, cried out, "Oh! How beautiful are our Emperor's new clothes! What a magnificent train there is to the mantle; and how gracefully the scarf hangs!" in short, no one would allow that he could not see these much-admired clothes; because, in doing so, he would have declared himself either a simpleton or unfit for his office. Certainly, none of the Emperor's various suits, had ever made so great an impression, as these invisible ones.
     "But the Emperor has nothing at all on!" said a little child.
   "Listen to the voice of innocence!" exclaimed his father; and what the child had said was whispered from one to another.
     "But he has nothing at all on!" at last cried out all the people. The Emperor was vexed, for he knew that the people were right; but he thought the procession must go on now! And the lords of the bedchamber took greater pains than ever, to appear holding up a train, although, in reality, there was no train to hold.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

TRABALHO DE FILOSOFIA - 2º ANO - 4º BIMESTRE

As aventuras da metafísica
O cristianismo e a tarefa da evangelização
Ao surgir, o cristianismo era mais uma entre as várias religiões orientais; suas 
raízes encontravam-se na religião judaica, isto é, numa religião que, como todas 
as religiões antigas, era nacional ou de um povo particular. No entanto, havia 
nele algo inexistente no judaísmo e nas outras religiões antigas: a idéia de
evangelização, isto é, de espalhar a “boa nova” para o mundo inteiro, a fim de 
converter os não-cristãos e tornar-se uma religião universal.
Ora, como converter a essa religião pessoas de outras religiões, que possuíam um 
passado e um sentido próprios para elas? Os evangelizadores usaram muitos 
expedientes para isso, levando em conta as condições e a mentalidade dos que 
deveriam ser convertidos. Para o nosso assunto, interessa apenas um tipo de 
evangelização e conversão: o dos intelectuais gregos e romanos, isto é, daqueles 
que haviam sido formados não só em religiões diferentes da judaica, como 
também haviam sido educados na tradição racionalista da Filosofia. Para
convertê-los e mostrar a superioridade da verdade cristã sobre a tradição
filosófica, os primeiros Padres da Igreja ou intelectuais cristãos (são Paulo, são 
João, santo Ambrósio, santo Eusébio, santo Agostinho, entre outros) adaptaram 
as idéias filosóficas à religião cristã e fizeram surgir uma Filosofia cristã.
Sob vários aspectos, podemos dizer que o cristianismo, enquanto tal, não 
precisava de uma filosofia:
* sendo uma religião da salvação, seu interesse maior estava na moral, na
prática dos preceitos virtuosos deixados por Jesus, e não em uma teoria sobre a 
realidade;
* sendo uma religião vinda do judaísmo, já possuía uma idéia muito clara do que 
era o Ser, pois Deus disse a Moisés  “Eu sou aquele que é, foi e será. Eu sou 
aquele que sou”;
* sendo uma religião, seu interesse maior estava na fé e não na razão teórica, na 
crença e não no conhecimento intelectual, na Revelação e não na reflexão.
Foi, portanto, o desejo de converter os intelectuais gregos e os chefes e
imperadores romanos (isto é, aqueles que estavam acostumados à Filosofia) que 
“empurrou” os cristãos para a metafísica.

As tradições metafísicas encontradas pelo cristianismo
Evidentemente, as duas grandes tradições metafísicas incorporadas pelo
cristianismo foram o platonismo e o aristotelismo. No entanto, como as obras de 
Platão e Aristóteles haviam ficado perdidas durante vários séculos, antes de
incorporá-las o cristianismo tomou contato com três outras tradições metafísicas, 
que formaram, assim, o conteúdo das primeiras elaborações metafísicas cristãs: o 
neoplatonismo, o estoicismo e o gnosticismo.
O neoplatonismo, como o nome indica, foi uma retomada da filosofia de Platão, 
mas com um conteúdo espiritualista e místico. Os neoplatônicos afirmavam a 
existência de três realidades distintas por essência: o mundo sensível da matéria 
ou dos corpos, o mundo inteligível das puras formas imateriais, e, acima desses 
dois mundos, uma realidade suprema, separada de todo o resto, inalcançável pelo 
intelecto humano, luz pura e esplendor imaterial, o Uno ou o Bem. Por ser uma 
luz, o Uno se irradia; suas irradiações (que os neoplatônicos chamavam de
emanações) formaram o mundo inteligível, onde estão o Ser, a Inteligência e a 
Alma do Mundo.
Dessas primeiras emanações perfeitas, seguiram outras, mais afastadas do Uno e, 
por isso, imperfeitas: o mundo sensível da matéria, imagem decaída ou cópia 
imperfeita do mundo inteligível. Por seu intelecto, o homem participa do mundo 
inteligível. Purificando-se da matéria de seu corpo, desenvolvendo seu intelecto, 
o homem pode subir além do pensamento e ter o êxtase místico, pelo qual se 
funde com a luz do Uno e retorna ao seio da realidade suprema ou do Bem.
O estoicismo, embora muito diferente do neoplatonismo – pois negava a
existência de realidades separadas e superiores ao mundo sensível  -, também 
influenciou o pensamento cristão. Os estóicos afirmavam a existência de uma 
Razão Universal ou Inteligência Universal, que produz e governa toda a
realidade, de acordo com um plano racional necessário, a que davam o nome de 
Providência. O homem, embora impulsionado por instintos como os animais, 
participa da Razão Universal porque possui razão e vontade.
A participação na racionalidade universal não se dá pelo simples conhecimento 
intelectual, mas pela ação moral, isto é, pela renúncia a todos os instintos, pelo 
domínio voluntário racional de todos os desejos e pela aceitação da Providência. 
A Razão Universal é a Natureza; a Providência é o conjunto das leis necessárias 
que regem a Natureza; a ação racional humana (própria do sábio) é a vida em 
conformidade com a Natureza e com a Providência.
O gnosticismo era um dualismo metafísico, isto é, afirmava a existência de dois 
princípios supremos de onde provinha toda a realidade: o Bem, ou a luz
imaterial, e o Mal, ou a treva material. Para os gnósticos, o mundo natural ou o 
mundo sensível é o resultado da vitória do Mal sobre o Bem e por isso
afirmavam que a salvação estava em libertar-se da matéria (do corpo), através do 
conhecimento intelectual e do êxtase místico. Gnosticismo vem da palavra grega 


gnosis, que significa: conhecimento. Para os gnósticos, o conhecimento
intelectual pode, por si mesmo, alcançar a verdade plena e total do Bem e afastar 
os poderes materiais do Mal.
Que fez o cristianismo nascente?
Adaptou à nova fé várias concepções da metafísica neoplatônica, disso
resultando os seguintes pontos doutrinários:
* separação entre material-corporal e espiritual-incorporal;
* separação entre Deus-Uno e o mundo material;
* transformação da primeira emanação neoplatônica (Ser, Inteligência, Alma do 
Mundo) na idéia da Trindade divina, pela afirmação de que o Deus-Uno se 
manifesta em três emanações idênticas a ele próprio: o Ser, que é o Pai; a
Inteligência, que é o Espírito Santo; a Alma do Mundo, que é o Filho;
* afirmação de que há uma segunda emanação, isto é, aquela que vem da luz da 
Trindade e que forma o mundo inteligível das puras formas ou inteligências 
imateriais perfeitas, que são os anjos (arcanjos, querubins, serafins, etc.);
* modificação da idéia neoplatônica quanto ao mundo sensível pela afirmação de 
que o mundo sensível ou material não é uma emanação de Deus, mas uma 
criação: Deus fez o mundo do nada, como diz a Bíblia, no livro da Gênese;
* admissão de que a alma humana participa da divindade, mas não diretamente, e 
sim pela mediação do Filho e do Espírito Santo, e que o conhecimento intelectual 
não é suficiente para levar ao êxtase místico e  ao contato com Deus, sendo 
necessária a graça santificante, que o crente recebe por um mistério divino.
Do estoicismo, o cristianismo manteve duas idéias:
* a de que existe uma Providência divina racional, que governa todas as coisas e 
o homem;
* a de que a perfeição humana depende de abandonar todos os apetites, impulsos 
e desejos corporais ou carnais, entregando-se à Providência. Essa entrega, porém, 
não é, como pensavam os estóicos, uma ação deliberada de nossa vontade guiada 
pela razão, mas exige como condição a fé em Cristo e a graça santificante.
O gnosticismo será considerado uma heresia e, por isso, rejeitado. No entanto, o 
cristianismo conservará do gnosticismo duas idéias:
* que o Mal existe realmente: é o demônio;
* que a matéria ou a carne é o centro onde o demônio, isto é, o Mal, age sobre o 
mundo e sobre o homem.
Alguns séculos mais tarde, o cristianismo tomou conhecimento de algumas das 
obras de Platão e de algumas das obras de Aristóteles que haviam sido
conservadas e traduzidas por filósofos árabes, como Averróis, Avicena e Alfarabi e comentadas por filósofos judeus como Filon de Alexandria e Maimônides. 
Reunindo essas obras e as elaborações precedentes, baseadas nas três tradições 
mencionadas, o cristianismo reorganizou a metafísica grega, adaptando-a às
necessidades da religião cristã.

A metafísica cristã
Embora a metafísica cristã seja uma reelaboração da metafísica grega, muitas das 
idéias gregas não poderiam ser aceitas pelo cristianismo. Vejamos alguns
exemplos:
* para os gregos, o mundo (sensível e inteligível) é eterno; para os cristãos, o 
mundo foi criado por Deus a partir do nada e terminará no dia do Juízo Final.
* para os gregos, a divindade é uma força cósmica racional impessoal; para os 
cristãos, Deus é pessoal, é a unidade de três pessoas e por isso é dotado de 
intelecto e de vontade, como o homem, embora superior a este, porque o intelecto 
divino é onisciente (sabe tudo desde toda a eternidade) e a vontade divina é 
onipotente (pode tudo desde toda a eternidade);
* para os gregos, o homem é um ser natural, dotado de corpo e alma, esta 
possuindo uma parte superior e imortal que é o intelecto ou razão; para os 
cristãos, o homem é um ser misto, natural por seu corpo, mas sobrenatural por 
sua alma imortal;
* para os gregos, a liberdade humana é uma forma de ação, isto é, a capacidade 
da razão para orientar e governar a vontade, a fim de que esta escolha o que é 
bom, justo e virtuoso; para os cristãos, o homem é livre porque sua vontade é 
uma capacidade para escolher tanto o bem quanto o mal, sendo mais poderosa do 
que a razão e, pelo pecado, destinada à perversidade e ao vício, de modo que a 
ação moral só será boa, justa e virtuosa se for guiada pela fé e pela Revelação;
* para os gregos, o conhecimento é uma atividade do intelecto (o êxtase místico 
de que falavam os neoplatônicos não era algo misterioso ou irracional, mas a 
forma mais alta da intuição intelectual); para os cristãos, a razão humana é
limitada e imperfeita, incapaz de, por si mesma e sozinha, alcançar a verdade, 
precisando ser socorrida e corrigida pela fé e pela Revelação.
Essas diferenças – e muitas outras que não foram mencionadas aqui –
acarretaram muitas mudanças na metafísica herdada dos gregos. O problema 
principal para os cristãos foi o de encontrar um meio para reunir as verdades da 
razão (Filosofia) e as verdades da fé (religião), isto é, para reunir novamente 
aquilo que, ao nascer, a Filosofia havia separado, pois separara razão e mito. De 
modo bastante resumido, podemos dizer que os aspectos que passaram a
constituir o centro da nova metafísica foram os seguintes:
* provar a existência de Deus e os atributos ou predicados de sua essência. Para a 
metafísica grega, a divindade era uma força imaterial, racional e impessoal 
conhecida por nossa razão. Para a metafísica cristã, Deus é uma pessoa trina ou uma pessoa misteriosa, que se revela ao espírito dos que possuem fé. Como conciliar a concepção racionalista dos gregos e a concepção religiosa dos cristãos? Provando racionalmente que Deus existe, mesmo que a causa de sua 
existência seja um mistério da fé. E provando racionalmente que ele possui, por 
essência, os seguintes predicados: eternidade, infinitude, onisciência,
onipotência, bondade, justiça e misericórdia, mesmo que tais atributos sejam um 
mistério da fé; 


* provar que o mundo existe e não é eterno, mas foi criado do nada por Deus e 
retornará ao nada, no dia do Juízo Final; provar que o mundo resulta da vontade 
divina e é governado pela Providência divina, a qual age tanto por meios naturais 
(as leis da Natureza), quanto por meios sobrenaturais (os milagres). Por que era 
necessária essa prova? Porque, do ponto de vista da razão, Deus, sendo perfeito, 
completo, pleno e eterno, não carecia de nada, não precisava de nada e, portanto, 
não tinha por que nem para que criar o mundo;
* provar que, embora Deus seja imaterial e infinito, são ação pode ter efeitos 
materiais e finitos, como o mundo e o homem; portanto, provar que Deus é causa 
eficiente de todas as coisas e que uma causa imaterial e infinita pode produzir um 
efeito material e finito, mesmo que isso seja um mistério da fé que a razão é 
obrigada a aceitar.
De fato, a Filosofia grega, em nome dos princípios da identidade e da nãocontradição, sempre demonstrou que uma causa precisa ser de mesma natureza 
que seu efeito e, por esse motivo, as Idéias (em Platão) e o Primeiro Motor 
Imóvel (em Aristóteles) eram causas finais e jamais causas materiais, formais ou 
eficientes. Por quê? Porque uma causa final age à distância, sem se identificar 
com aquilo que a deseja, a procura. Ao contrário, as outras três causas agem 
diretamente sobre as coisas semelhantes a elas, de mesma natureza que elas. Uma 
planta causa outra planta, um animal causa outro animal semelhante, um humano 
causa o nascimento de outro ser humano, e assim por diante.
Ora, a criação do mundo por Deus seria, para a metafísica grega, uma
irracionalidade e uma contradição, pois se trata de um ser infinito e imaterial, 
cuja ação produz um efeito oposto à natureza da causa, isto é, finito e material. 
Um mistério da fé, dirão os metafísicos cristãos.
* provar que a alma humana existe e que é imortal, estando destinada  à salvação 
ou à condenação eternas, segundo a vontade da Providência divina;
* provar que  não há contradição entre a liberdade humana e a onisciênciaonipotência de Deus. A contradição existe para a razão, mas não existe para a fé.
Qual seria a contradição racional entre a liberdade humana para fazer o bem ou o 
mal, e a onisciência-onipotência divina? A contradição estaria no fato de que, se 
Deus fez cada um dos homens e, desde a eternidade, sabe o que cada um deles escolherá, então o homem não é livre, mas já foi predeterminado pela vontade de Deus. Para a fé não há contradição alguma nisso, embora haja mistério.
* provar que as idéias (platônicas), ou as emanações (neoplatônicas), ou os
gêneros e espécies (aristotélicos) existem, são substâncias reais, criadas pelo 
intelecto e pela vontade de Deus e existem na mente divina. Em outras palavras, 
idéias, emanações, gêneros e espécies são substâncias universais e os universais 
existem tanto quanto os indivíduos;
* provar que o Ser se diz ou deve ser entendido de modo diferente conforme se 
refira a Deus ou às criaturas. Para os gregos, no entanto, o Ser existia de
diferentes maneiras, mas possuía um único sentido no que se refere à realidade e 
à essência de todos os entes. Essa idéia, para os cristãos, não poderá ser mantida.
Platão, por exemplo, afirmou que o Ser só podia estar referido às idéias do 
mundo inteligível,  pois as coisas sensíveis eram o Não-Ser, cópia, imagem, 
sombra do verdadeiro Ser. Já Aristóteles considerou o Ser como real para as 
coisas naturais ou sensíveis, para o Primeiro Motor Imóvel, para os seres
matemáticos, pois a diferença entre eles referia-se apenas ao fato de poderem 
estar ou não submetidos à mudança ou ao devir.
No caso do cristianismo, porém, não era possível manter a diferença platônica 
entre o Ser e o Não-Ser, pois este mundo e tudo o que nele existe é obra de Deus, 
é criatura de Deus e não mera aparência. Mas também não era possível manter a 
idéia aristotélica de que a diferença entre os seres estaria apenas na presença ou 
ausência do devir ou da mudança, pois para os cristãos o ser de Deus é de 
natureza diferente do ser das coisas, uma  vez que ele é criador e elas são
criaturas, e não há nada em comum entre eles. O resultado da necessidade de 
afirmar que o Ser não possui o mesmo sentido, quando aplicado a Deus e às 
criaturas, foi a divisão da metafísica em três tipos de conhecimento:
1. a teologia, que se refere ao Ser como ser divino ou Deus;
2. a psicologia racional, que se refere ao Ser como essência da alma humana;
3. a cosmologia racional, que se refere ao Ser como essência das coisas naturais 
ou do mundo.
* finalmente, e como conseqüência de todas essas concepções, provar que fé e 
razão, revelação e conhecimento intelectual são não incompatíveis nem
contraditórios e, quando o forem, a fé ou revelação deve ser considerada superior 
à razão e ao intelecto, que devem submeter-se a ela.
Evidentemente, os pensadores cristãos nunca se puseram de acordo sobre todos 
esses aspectos, e uma das marcas características da metafísica cristã foi a
controvérsia.
Para alguns, por exemplo, os chamados “universais” (idéias, emanações, gêneros, 
espécies) eram nomes gerais criados por nossa razão e não seres, substâncias ou essências reais. Para outros, o Ser deveria ser afirmado com o mesmo sentido 
para Deus e para as criaturas, a diferença entre eles sendo de grau e não de 
natureza. Para muitos, fé e razão eram incompatíveis e deveriam ser inteiramente 
separadas, cada qual com seu campo próprio de conhecimento, sem que uma 
devesse submeter-se à outra. E assim por diante.
Independentemente das controvérsias, divergências e diferenças entre os
pensadores, o cristianismo legou para a metafísica a separação entre teologia
(Deus), psicologia racional (alma) e cosmologia racional (mundo), bem como a 
identificação de três conceitos: ser, essência e substância, que se tornaram
sinônimos.
Como conseqüência da identificação entre ser, essência e substância, de um lado, 
e, de outro a afirmação de que existem essências ou substâncias universais tanto 
quanto individuais, a metafísica passou a ter um número ilimitado de seres para 
investigar: as substâncias universais como água, ar, terra, fogo, homem, anjo, 
animal, vegetal, o bem, o verdadeiro, o justo, o belo, o pesado, o leve; as
substâncias individuais ou os seres particulares; as substâncias celestes, as
terrestres, as aquáticas, as matemáticas, as orgânicas, as inorgânicas, etc. Cada 
uma delas era investigada segundo os três princípios (identidade, contradição, 
terceiro excluído), as quatro causas (material, formal, eficiente, final), o ato e a 
potência, a matéria e a forma, as categorias (qualidade, quantidade, ação, paixão, 
relação, tempo, lugar, etc.), o simples e o composto, etc.




A metafísica clássica ou moderna
A partir do final do século XVI e, com maior intensidade, no início do século 
XVII, o pensamento ocidental começa a sofrer uma mudança considerável, que 
irá manifestar-se na metafísica.
Os filósofos clássicos (século XVII) julgavam-se modernos por terem rompido 
com a tradição do pensamento platônico, aristotélico e neoplatônico e, por
conseguinte, por não mais aceitarem a tradição  que havia sido elaborada pelos 
medievais. Um dos exemplos mais conhecidos da modernidade é a recusa do 
geocentrismo e a adoção do heliocentrismo, em astronomia. Um outro exemplo é 
a nova física ou mecânica, elaborada por Galileu contra a herança aristotélica.
Podemos, de modo resumido, apontar os seguintes traços característicos da nova 
metafísica:
* afirmação da incompatibilidade entre fé e razão, acarretando a separação de 
ambas, de sorte que a religião e a Filosofia possam seguir caminhos próprios, 
mesmo que a segunda não esteja publicamente autorizada a expor idéias que 
contradigam as verdades ou dogmas da fé (a Inquisição e o Santo Ofício, criados 
pela Igreja Católica para controlar os pensamentos dos cristãos, eram atuantes e 
não foram poucos os pensadores submetidos a tais tribunais, como foi o caso de 
Galileu
* redefinição do conceito de ser ou substância. Em lugar de considerar que 
existem inumeráveis tipos de seres ou substâncias, afirma-se que existem três e 
apenas três seres ou substâncias: a substância infinita (Deus), a substância
pensante (alma) e a substância extensa (corpo). Uma substância é definida pelo 
seu atributo principal: a substância infinita é definida por sua infinitude; a
pensante, pelo intelecto e pela vontade; a extensa, pelo movimento e pelo
repouso, que determinam a massa, a figura e o vo lume (isto é, por atributos 
geométricos e físicos).
Os entes individuais concretos se distribuem como substâncias pensantes ou
extensas e o homem é uma substância mista. À substância infinita corresponde 
um único ente, Deus. Não há seres ou substâncias ou  essências universais, mas 
somente individuais. Nota-se, portanto, uma imensa simplificação do campo de 
investigação da metafísica, graças à redefinição da substância.
Substância é o ser que existe em si e por si mesmo, que subsiste em si e por si 
mesmo. Uma substância não se define pelo conjunto de atributos essenciais e 
acidentais que possui, mas pelo seu modo de existir. A essência da substância é a 
existência em si e por si, a auto-suficiência. Há, portanto, três e apenas três 
substâncias: a que existe absolutamente em si e por si, isto é, o infinito ou Deus; 
a que existe em si, mas para existir teve que ser criada pelo infinito, isto é, a 
criada ou finita, que existe sob duas formas: como pensamento (ou alma) e como 
espaço ou figura-volume-massa (ou corpo).
Os seres individuais nada mais são do que manifestações diversificadas das duas 
substâncias criadas finitas. Mesmo que os consideremos substâncias, eles os são 
simplesmente por serem realizações particulares das substâncias pensante e
extensa;
 redefinição do conceito de causa ou causalidade. Causa é aquilo que produz um 
efeito. O efeito pode ser produzido por uma ação anterior ou por uma finalidade 
posterior. Por exemplo, o fogo realiza uma ação anterior, cujo efeito é o
aquecimento e a dilatação de um outro corpo; uma pessoa pode escolher entre 
fazer ou não fazer alguma coisa, tendo em vista a finalidade que pretende
alcançar, de sorte que o fim ou o objetivo é algo posterior à ação e causa da 
decisão tomada.
Causa eficiente é aquela na qual uma ação anterior determina como conseqüência 
necessária a produção de um efeito. Causa final é aquela que determina, para os 
seres pensantes, a realização ou não-realização de uma ação. Há duas e somente 
duas modalidades de causas  – a eficiente e a final  – e a causa final só atua na 
substância pensante, referindo-se às ações de um sujeito. Não há causa final para 
os corpos ou para a substância extensa, mas apenas causa eficiente.
Desaparecendo as noções de causa material e causa formal, desaparecem as de 
potência e ato, matéria e forma como explicações da pluralidade dos seres e de 
suas transformações;
 a metafísica  não se divide em teologia, psicologia racional e cosmologia
racional. A teologia é um conhecimento diferente da metafísica, embora, como 
esta, estude a substância infinita; a psicologia racional é um conhecimento
diferente da metafísica, embora, como esta, estude a substância pensante; a
cosmologia é diferente da metafísica, embora, como esta, estude a substância 
extensa.
Que estuda a metafísica? A essência do infinito, a essência do pensamento e a 
essência da extensão. Como as estuda a metafísica? Como conceitos ou idéias 
rigorosamente racionais.
A substância infinita é a idéia racional de um fundamento ou princípio absoluto 
que produz a essência e a existência de tudo o que existe. A substância pensante é 
a idéia racional de uma faculdade intelectual e volitiva que produz pensamentos e 
ações segundo normas, regras e métodos estabelecidos por ela mesma enquanto 
poder de conhecimento  – é a consciência como faculdade de reflexão e de 
representação da realidade por meio de idéias verdadeiras. A s ubstância extensa é 
a idéia racional de uma realidade físico-geométrica que produz os corpos como 
figuras e formas dotadas de massa, volume e movimento  – é a Natureza como 
sistema de leis necessárias definidas pela mecânica e pela matemática;
* o ponto de partida da metafísica é a teoria do conhecimento, isto é, a
investigação sobre a capacidade humana para conhecer a verdade, de modo que 
uma coisa ou um ente só é considerado real se a razão humana puder conhecê-lo, 
isto é, se puder ser objeto  de uma idéia verdadeira estabelecida rigorosa e
metodicamente pelo intelecto humano. Assim, a metafísica não começa com a 
pergunta:  “O que é realidade?”, mas com a questão: “Podemos conhecer a
realidade?”.
Três idéias e apenas três operam na metafísica: a  idéia da substância infinita 
como causa eficiente da Natureza e do homem; a idéia da substância pensante 
como causa eficiente dos pensamentos, dos conceitos e das ações humanas; a 
idéia da substância extensa ou Natureza como causa eficiente que, pelas relações 
de movimento e repouso, produz todos os corpos. A substância infinita ou Deus é 
a causa da existência e da essência das substâncias pensante e extensa; e é causa 
das relações entre ambas, no caso do homem (já que este é uma substância 
mista).
Deus, homem e Natureza são os objetos da metafísica. Infinito, finito, causa 
eficiente e causa final são os primeiros princípios de que se ocupa a metafísica. 
Idéias verdadeiras produzidas pelo intelecto humano, com as quais o sujeito do 
conhecimento representa e conhece a realidade, são os fundamentos da
metafísica como ciência verdadeira ou como Primeira Filosofia.
Se tomarmos a história da metafísica, veremos que seu campo de investigação 
foi, gradualmente, comportando novos temas e objetos de estudo, que exprimem 
as exigências do pensamento de cada época. Resumidamente, os temas e objetos 
da metafísica podem ser assim apresentados:
* O Ser como substância e como essência;
* diferença entre essência e acidente;
* origem e estrutura do mundo ou da realidade;
*  o infinito e o finito (diferenças e relações);
* o espírito e a matéria (diferenças e relações);
* o espaço e o tempo (diferenças e relações);
* a vida e a morte;
* a alma e o corpo (diferenças e relações);
*  a   e s sência da mente humana;
* a consciência e o mundo (diferenças e relações);
*   e s sência e existência (diferenças e relações);
* a destinação do homem;
* Deus, a Natureza e o homem (diferenças e relações).
A grande crise da metafísica: David Hume
O lugar ocupado pela teoria do conhecimento como condição da metafísica, isto 
é, a antecedência da pergunta  “O que e como podemos conhecer?” diante da 
pergunta antiga  “O que é a realidade?”, forçou a Filosofia a pagar um alto preço. 
Esse preço foi a crise da metafísica.
Se a realidade investigada pela metafísica é aquela que pode e deve ser
racionalmente estabelecida pelas idéias verdadeiras produzidas pelo pensamento 
ou pela razão humana, que acontecerá se se provar que tais idéias são hábitos 
mentais do sujeito do conhecimento e não correspondem a realidade alguma?
A metafísica antiga e medieval baseava-se na afirmação de que a realidade ou o 
Ser existe em si mesmo e que ele se oferece tal como é ao pensamento.
A metafísica clássica ou moderna baseava-se na afirmação de que o intelecto 
humano ou o pensamento possui o poder para conhecer a realidade tal como é em 
si mesma e que, graças às operações intelectuais ou aos conceitos que
representam as coisas e as transformam em objetos de conhecimento, o sujeito do 
conhecimento tem acesso ao Ser.
Tanto num caso como noutro, a metafísica baseava-se em dois pressupostos: 1. a 
realidade em si existe e pode ser conhecida; 2. idéias ou conceitos são um
conhecimento verdadeiro da realidade, porque a verdade é a correspondência 
entre as coisas e os pensamentos, ou entre o intelecto e a realidade.
Esses dois pressupostos assentavam-se num único fundamento: a existência de 
um Ser Infinito (Deus) que garantia a realidade e a inteligibilidade de todas as 
coisas, dotando os humanos de um intelecto capaz de conhecê-las tais como são 
em si mesmas.
David Hume dirá que os dois pressupostos da metafísica não têm fundamento, 
não possuem validade alguma.
A metafísica  – antiga, medieval e clássica ou moderna  – era sustentada por três 
princípios: identidade, não-contradição e razão suficiente ou causalidade. Os dois 
primeiros serviam de garantia para a idéia de substância ou essência; o terceiro 
servia de garantia  para explicar a origem e a finalidade das coisas, bem como as 
relações entre os seres.
Hume, partindo da teoria do conhecimento, mostrou que o sujeito do
conhecimento opera associando sensações, percepções e impressões recebidas 
pelos órgãos dos sentidos e retidas na memória. As idéias nada mais são do que 
hábitos mentais de associação de impressões semelhantes ou de impressões
sucessivas.
Que é a idéia de substância ou de essência? Nada mais do que um nome geral 
dado para indicar um conjunto de imagens e de idéias que nossa consciência tem 
o hábito de associar por causa das semelhanças entre elas. O princípio da
identidade e o da não-contradição são simplesmente o resultado de percebermos 
repetida e regularmente certas coisas semelhantes e sempre da mesma maneira, 
levando-nos a supor que, porque as percebemos como semelhantes e sempre da 
mesma maneira, isso lhes daria uma identidade própria, independente de nós.
Que é a idéia de causalidade? O mero hábito que nossa mente adquire de
estabelecer relações de causa e efeito entre percepções e impressões sucessivas, 
chamando as anteriores de causas e as posteriores de efeitos. A repetição
constante e regular de imagens ou impressões sucessivas nos leva à crença de que 
há uma causalidade real, externa, própria das coisas e independente de nós.
Substância, essência, causa, efeito, matéria, forma e todos os outros conceitos da 
metafísica (Deus, mundo, alma, infinito, finito, etc.) não correspondem a seres, a 
entidades reais e externas, independentes do sujeito do conhecimento, mas são 
nomes gerais com que o sujeito nomeia e indica seus próprios hábitos
associativos. Eis porque a metafísica foi sempre alimentada por controvérsias 
infindáveis, pois não se referia a nenhuma realidade externa existente em si e por 
si, mas  a hábitos mentais dos sujeitos, hábitos que são muito variáveis e dão 
origem a inúmeras doutrinas filosóficas sem qualquer fundamento real.
A partir de Hume, a metafísica, tal como existira desde o século IV a.C., tornavase impossível.
Kant e o fim da metafísica clássica
O primeiro a reagir aos problemas postos por Hume foi Kant, ao declarar que, 
graças ao filósofo inglês, pôde  “despertar do sono dogmático”. O que é o sono 
dogmático? É tomar como ponto de partida da metafísica a idéia de que existe 
uma realidade em si (Deus, alma, mundo, infinito, finito, matéria, forma,
substância, causalidade), que pode ser conhecida por nossa razão ou, o que dá no 
mesmo, tomar como ponto de partida da metafísica a afirmação de que as idéias 
produzidas por nossa razão correspondem exatamente a uma realidade externa, 
que existe em si e por si mesma.
Dogmático é aquele que aceita, sem exame e sem crítica, afirmações sobre as 
coisas e sobre as idéias. Hume despertou a metafísica do sono dogmático, porque 
a forçou a indagar sobre sua própria validade e sua pretensão ao conhecimento 
verdadeiro.
O que é despertar do sono dogmático? É indagar, antes de tudo, se a metafísica 
é possível e, se for, em que condições é possível. Despertar do dogmatismo é 
elaborar uma  crítica da razão teórica, isto é, um estudo sobre a estrutura e o 
poder da razão para determinar o que ela pode e o que ela não pode conhecer 
verdadeiramente.
Quando examinamos os conceitos de razão e verdade vimos que Kant realizou 
uma  “revolução copernicana” em filosofia, isto é, exigiu que, antes de qualquer 
afirmação sobre as idéias, houvesse o estudo da própria capacidade de conhecer, 
isto é, da razão. Vimos também que ele distinguira duas grandes modalidades de 
conhecimento: os conhecimentos empíricos, isto é, baseados nos dados da
experiência psicológica de cada um de nós, e os conhecimentos apriorísticos, isto 
é, baseados exclusivamente na estrutura interna da própria razão,
independentemente da experiência individual de cada um. Vimos, além disso, 
que ele distinguira as duas maneiras pelas quais esses dois tipos de
conhecimentos se exprimem: os juízos sintéticos e os juízos analíticos.
Finalmente, vimos que a questão do conhecimento estava resumida numa
pergunta fundamental: São possíveis juízos sintéticos apriorísticos?
Recordemos a distinção entre os tipos de juízos. O juízo analítico é aquele em 
que o predicado não é senão a explicitação do conteúdo do sujeito. Por exemplo: 
“O triângulo é uma figura de três lados”. O juízo sintético é aquele no qual o 
predicado acrescenta novos dados sobre o sujeito. Por exemplo:  “Sócrates é
filósofo”.
Um juízo, para ter valor científico e filosófico ou valor teórico, deve preencher 
duas condições:
1. deve ser universal e necessário;
2. deve ser verdadeiro, isto é, corresponder à realidade que enuncia.
Os juízos analíticos, diz Kant, preenchem as duas condições, mas não os juízos 
sintéticos. Por quê? Porque um juízo sintético se baseia nos dados da experiência 
psicológica individual e, como bem mostrou Hume, tal experiência nos dá
sensações e impressões que associamos em idéias, mas estas não são universais e 
necessárias, nem correspondem à realidade.
Ora, um juízo analítico não nos traz conhecimentos, pois simplesmente repete, no 
predicado, o conteúdo do sujeito. Somente juízos sintéticos são fonte de
conhecimento. Portanto, se quisermos realizar metafísica e ciência, temos,
primeiro, que provar que são possíveis juízos sintéticos universais, necessários e 
verdadeiros e, portanto, demonstrar que tais juízos não podem ser empíricos.
Dizer que um juízo sintético é universal, necessário e verdadeiro e dizer que não 
pode ser empírico significa dizer que o juízo sintético filosófico e científico tem 
que ser um juízo sintético apriorístico ou  a priori, isto é, tem que depender de 
alguma coisa que não seja a experiência.
A pergunta:  “É possível a metafísica?” só poderá ser respondida se, primeiro, for 
provado que há ou que não pode haver juízos sintéticos a priori sobre as 
realidades metafísicas, isto é, Deus, alma, mundo, substância, matéria, forma, 
infinito, finito, causalidade, etc.
Vimos que Kant demonstrou a existência e validade dos juízos sintéticos a priori
nas ciências, demonstrando que o conhecimento da realidade nada mais é do que 
a maneira como a razão, através de sua estrutura uni versal, organiza de modo 
universal e necessário os dados da experiência. Em outras palavras, vimos que, 
graças às formas  a priori da sensibilidade (espaço e tempo) e dos conceitos  a 
priori do entendimento (as categorias de substância, causalidade, relação,
quantidade, qualidade, etc.), possuímos uma capacidade de conhecimento inata, 
universal e necessária que não depende da experiência, mas se realiza por ocasião 
da experiência sobre os objetos que esta nos oferece.
O que é exatamente um juízo?
Um juízo é  uma afirmação ou uma negação referente a propriedades de um 
sujeito, isto é, a maneira como o conhecimento afirma ou nega o que uma coisa é 
ou não é. Como a realidade ou o objeto é aquilo que pode ser conhecido através 
das formas  a priori da sensibilidade e dos conceitos  a priori do entendimento, 
um juízo é a afirmação ou a negação da  realidade de um objeto pela afirmação 
ou negação de suas propriedades.
O que é conhecer?
Conhecer é formular juízos que nos apresentem todas as propriedades positivas 
de um objeto e excluam todas as propriedades negativas que o objeto não pode 
possuir. Por exemplo, quando digo:  “O número 4 é um inteiro par ”, esse juízo 
afirma que um certo objeto  – 4  – é alguma coisa  – é um número  -, que possui 
determinadas propriedades positivas – inteiro, par  – e, por conseguinte, dele 
estão excluídas propriedades negativas, diferentes das que possui – fracionário e 
ímpar.
Quando digo:  “Isto é uma mesa, é de madeira, possui quatro pés, está junto à 
janela, é usada para escrever”, este juízo afirma que um certo objeto  – isto – é 
alguma coisa –mesa -, que possui certas qualidades – madeira, quatro pés, serve 
para escrever, está junto à janela – e, por conseguinte, dele estão excluídas outras 
coisas  – não é uma cadeira, não é um livro  – e a ele são negadas certas 
propriedades – não é de vidro, não está junto à porta, não serve para deitar, etc.
Um juízo, portanto, nos dá a conhecer alguma coisa, desde que esta possa ser 
apreendida sob as formas do espaço e do tempo e sob os conceitos do
entendimento. Uma coisa passa a existir quando se torna objeto de um juízo. Isso 
não significa que o juízo  cria a própria coisa, mas sim que a  faz existir para 
nós. O juízo  põe a realidade de alguma coisa ao colocá-la como sujeito de uma 
proposição, isto é, ao colocá-la como objeto de um conhecimento. É, portanto, o 
juízo que põe a qualidade, a quantidade, a causalidade, a substância, a matéria, a 
forma, a essência das coisas, na medida em que estas existem apenas enquanto 
são objetos de conhecimento postos pelas formas do espaço, do tempo e pelos 
conceitos do entendimento.
Em outras palavras, uma coisa existe quando pode ser posta pelo sujeito do 
conhecimento, entendido não como um sujeito individual e psicológico (João,
Pedro, Maria, Ana), mas como o sujeito universal ou estrutura a priori universal 
da razão humana, aquilo que Kant denomina de Sujeito Transcendental.
Quando o juízo for sintético e a priori, o conhecimento obtido é universal, 
necessário e verdadeiro.
No entanto, a demonstração de que, graças às formas a priori da sensibilidade e 
graças aos conceitos  a priori do entendimento, os juízos sintéticos  a priori são 
possíveis, é uma demonstração que não ajuda em nada a pergunta sobre a
possibilidade da metafísica. Por quê?
Kant distinguiu duas modalidades de realidade. A realidade que se oferece a nós 
na experiência e a realidade que não se oferece à experiência. A primeira foi 
chamada por ele de  fenômeno, isto é, aquilo que se apresenta ao sujeito do 
conhecimento na experiência, é estruturado pelo sujeito com as formas do espaço 
e do tempo e com os conceitos do entendimento, é sujeito de um juízo e objeto de 
um conhecimento. A segunda foi chamada por ele de  nôumeno, isto é, aquilo 
que não é dado à sensibilidade nem ao entendimento, mas é afirmado pela razão 
sem base na experiência e no entendimento.
O fenômeno é a coisa para nós ou o objeto do conhecimento propriamente dito, é 
o objeto enquanto sujeito do juízo. O nôumeno é  a coisa em si ou o objeto da 
metafísica, isto é, o que é dado para um pensamento puro, sem  relação com a 
experiência. Ora, só há conhecimento universal e necessário daquilo que é
organizado pelo sujeito do conhecimento nas formas do espaço e do tempo e de 
acordo com os conceitos do entendimento. Se o nôumeno é aquilo que nunca se 
apresenta à sensibilidade, nem ao entendimento, mas é afirmado pelo pensamento 
puro, não pode ser conhecido. E se o nôumeno é o objeto da metafísica, esta não 
é um conhecimento possível.
Tomemos um exemplo que nos ajude a compreender a argumentação kantiana.
Quando a metafísica se refere a Deus, ela o define como imaterial, infinito,
eterno, incausado, princípio e fundamento das essências e existências de todos os 
seres.
Vejamos cada uma das qualidades atribuídas ao sujeito  “Deus” ou à idéia de Deus. Imaterial: portanto,  não espacial; infinito: portanto, não espacial; eterno: portanto, não temporal; incausado: portanto, sem causa; princípio e fundamento de tudo: portanto, acima e fora de toda a realidade conhecida ou incondicionado.
A idéia metafísica de Deus é a idéia de  um ser que não pode nos aparecer sob a forma do espaço e tempo; de um ser ao qual a categoria de causalidade não se aplica; de um ser que, nunca tendo sido dado a nós, é posto, entretanto, como fundamento e princípio de toda a realidade e de toda a verdade. Assim, a idéia metafísica de Deus escapa de todas as condições de possibilidade do conhecimento humano e, portanto, a metafísica usa ilegitimamente essa idéia para afirmar que Deus existe e para dizer o que ele é.
Até agora, diz Kant, a metafísica tem sido uma insensatez dogmática. Tem sido a 
pretensão de conhecer aqueles seres que, justamente, escapam de toda
possibilidade humana de conhecimento, pois são seres aos quais não se aplicam 
as condições universais e necessárias dos juízos, isto é, espaço, tempo, 
causalidade, qualidade, quantidade, substancialidade, etc. Essa metafísica não é 
possível.
Mas isso não significa que toda metafísica seja impossível.
Qual é a metafísica possível? É aquela que tem como objeto a investigação dos 
conceitos usados pelas ciências  – espaço, tempo, quantidade, qualidade,
causalidade, substancialidade, universalidade, necessidade, etc.  -, isto é, que tem 
como objeto o estudo das condições de possibilidade de todo conhecimento 
humano e de toda a experiência humana possíveis. A metafísica estuda, portanto, 
as condições universais e necessárias da objetividade em geral e não o  “Ser 
enquanto Ser”, nem Deus, alma e mundo, nem substância infinita, pensante e 
extensa. Estuda as maneiras pelas quais o sujeito do conhecimento, ou a razão 
teórica, põe a realidade, isto é, estabelece os objetos do conhecimento e da
experiência. A metafísica é o conhecimento do conhecimento humano e da
experiência humana, ou, em outras palavras, do modo como os seres humanos, 
enquanto expressões do Sujeito Transcendental, definem e estabelecem
realidades.
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Há, além desse, um outro objeto para a metafísica. Não se trata, porém, de um 
objeto teórico e sim de um objeto prático, qual seja, a ação humana enquanto 
ação moral, ou o que Kant chama de ação livre por dever. Por que a moral, ou a 
ética, se torna objeto da metafísica? Por causa da liberdade.
A razão teórica mostra que todos os seres, incluindo os homens, são seres
naturais. Isso significa que são seres submetidos a relações necessárias de causa e 
efeito. A Natureza é o reino das leis naturais de causalidade. Nela, tudo acontece 
de modo necessário ou causal, não havendo lugar para escolhas livres. No
entanto, os seres humanos são capazes de agir por escolha livre, por
determinação racional de sua vontade e são capazes de agir em nome de fins ou 
finalidades humanas, e não apenas condicionados por causas naturais necessárias.
A ação livre ou por escolha voluntária ou racional é uma ação por finalidade e 
não por causalidade. Nesse sentido, a ação moral mostra que, além do reino 
causal da Natureza, existe o reino ético da liberdade e da finalidade. Cabe à 
metafísica o estudo dessa outra modalidade de realidade, que não é natural nem 
teórica, mas prática. Assim, ao lado do conhecimento da razão teórica, a
metafísica tem como objeto o estudo da razão prática ou da ética.
Como é possível a liberdade? Como é possível a ação livre por finalidade? Quais 
são as finalidades da vida ética? O que é o dever? O que é e como é possível agir 
por dever? O que é a virtude? Eis alguns dos temas da metafísica como estudo da 
razão prática.
(Convite à Fiosofia - Marilena Chauí)